Temos visto na mídia e nas redes
sociais todo o debate em torno da vinda dos médicos cubanos para o Brasil. A
Associação brasileira de medicina rechaça o programa da presidente Dilma, assim
como os conselhos de medicina. Há muitas coisas em disputa e debate neste caso
específico, algumas questões estruturas, como a velada “guerra fria”, a guerra
ideológica comunismo x capitalismo, o preconceito com os cubanos, o papel do Estado
perante a saúde pública, a orientação ético e política da formação em medicina
no Brasil, a falta de interesse de médicos brasileiros em atuarem em certos
lugares, versus a omissão e a negligencia do Estado, pois bem, vamos a algumas
considerações.
Primeiro que me nego a falar
sobre tal questão, sem antes pensarmos a relação Estado e sociedade, para
entendermos um pouco das angustias postas neste caso. Para tanto vou fazer uma
discussão mais avançada para não ter que ir na origem da “coisa”, pois agora
não é hora disso...
Veja, o Estado é a organização
política, administrativa, econômica, cultural e ideológica das elites
dominantes. Isto, pensando um Estado imerso na lógica capitalista como o
Brasil. Logo, a vida neste Estado é uma experiência genuinamente mercadológica,
as pessoas são formadas para consumir e consumir, inclusive os médicos. A
formação em medicina nos países capitalistas, como toda e qualquer outra
formação, se dá com orientação de mercado e não de cuidado humano. Está
característica está na contradição, entre os interesses do Homem e do capital,
inerente a todo Estado capitalista. É preciso que o povo brasileiro comece a
entender a diferença entre Estado e governo. E este episódio do programa Mais
Médico é uma boa oportunidade para este exercício.
O que o Estado brasileiro, ou
seja, o gestor dos interesses dos grupos financeiros, quer para a medicina e a
saúde no Brasil? Primeiro, uma formação mercadológica em medicina, segundo: a
falência da saúde pública, e é simples entendermos por que. Se o SUS for de
qualidade o mercado e a indústria da doença terão lucro? Claro que não... Como
são os grandes empresários que elegem a imensa maioria dos parlamentares e dos
governantes, então eles conseguem determinar como será a saúde pública: ruim,
para que a saúde privada tenha força e acumule capital com a doença do povo
trabalhador. Simples néh?
Pois bem, o governo difere-se do
Estado. O Estado é a estrutura burocrática que determina a nação o governo é o conjunto
de pessoas que se propõe a implementar políticas nesta nação. E apesar de serem
coisas diversas, sempre andaram de mãos dadas, os governantes sempre foram de
fato gestores dos interesses das elites financeiras, até que...
A presidente Dilma Roussef
enquanto governante vive a experiência mais contraditória de um presidente do
Brasil. Ela é comunista, crê numa sociedade onde a riqueza socialmente
produzida é igualitariamente divida, o que se difere do ideal capitalista, que
defende a concentração da riqueza numa elite dominante em detrimento da
multidão trabalhadora que deve ter o mínimo para viver.
Nesta contradição, entre gestar
os interesses do capital e dar um viés comunista ao seu governo a presidente
Dilma investiu no programa Mais Médicos, e ela foi inteligente, seguiu um
passo-a-passo estratégico. Abriu as vagas para médicos brasileiros, aquelas que
os médicos daqui não quiseram, ela chamou médicos de fora pra assumirem essas
vagas. Certo? Certíssimo.
Fico me perguntado, e se o
governo brasileiro estivesse importando médicos americanos, europeus e
japoneses, será que nossa mídia burguesa e nossos médicos iriam contra? Duvido
muito.
Ai está claro o preconceito “anticubano”.
O povo cubano tem outra visão de mundo, outra forma de ser e estar no mundo, a
vida deles não gira em torno de acumular riqueza, pelo contrário, gira em torno
de dividir a riqueza, e isso é uma ameaça ao sistema capitalista brasileiro. O
problema não é o governo brasileiro preencher as vagas renegadas com médicos
estrangeiros, o problema é que os cubanos podem imprimir nas comunidades onde
eles atuarão uma idéia de vida anticapitalista, e isso é mau, para nossa elite.
A classe médica brasileira é uma
das mais ortodoxas, conservadoras e reacionárias que temos. São extremamente
capitalistas e não arredam o pé. Por isso toda esta oposição. O capitalismo confere
aos médicos, no Brasil, não apenas o acumulo de riqueza material e de
conhecimento, mas um status diferenciado, uma posição social de autoridade, um
ar de superior, todas essas pompas fetichizadas do capital. Se nossa classe
médica defende uma saúde pública de qualidade precisa começar a criticar o
determinismo econômico na gestão da coisa pública em favor da “coisa privada”.
Isto eles não fazem e não querem fazer.
Há, porém, um outro elemento
nesta história toda que até poderia mudar meu posicionamento nesta questão, o
fato de que grande parte dos salários dos médicos cubanos irá para manter o
governo Castro, a ditadura travestida de comunista. Esta é uma questão extremamente
delicada. Ao contrário do que pôde parecer até aqui, eu não sou a favor da
ditadura “comunista”, não sou a favor de nenhuma ditadura e me revolta saber
que o povo brasileiro agora irá ajudar a financiar a ditadura Castro em Cuba.
Há um equivoco na esquerda mundial em continuar legitimando esses governos
totalitários em nome do comunismo.
Em fim, apesar de todas as
contradições, a presidente Dilma mostra extrema coragem, ao enfrentar o
patriarcado brasileiro, ao encarar a classe médica e marcar posição firme na
defesa de uma saúde socializada e humanista. O programa Mais Médicos quer na
verdade dizer Outros Médicos, ou melhor Outra Medicina, outra lógica de saúde
pública para o Brasil. Para isso o povo brasileiro precisa compreender o quanto
o poder econômico determina as ações do Estado, dos governos e do parlamento em
detrimento dos interesses e da vontade dos trabalhadores.